Mystic Grill

Snack Time

Havia chegado a Mystic Fall a pouco tempo, mas não pouco o suficiente para que não percebesse o quanto era difícil obter “alimento” na cidade, já que aparentemente todos estavam alertas a presenças sobrenaturais vinte e quatro horas por dia.

Apesar de ter quase a mesma idade de um Original, a fome ainda afetava-me como se tivesse sido criado a poucas semanas, contudo, o tempo me ensinava a controlar certos impulsos, e o fato de poder andar a luz do dia também colaborava para que mante-se minha sanidade. Enfim, sem mais percas de tempo, trajei-me num hotel com roupas cotidianas: calça justa, camisa, jaqueta e sapatos, todos num tom escuro para dar aquele ar sinistro com o qual estava acostumado, partindo na direção de um bar local famoso entre os moradores.

Ao chegar lá, deparei-me com uma grande placa com a escrita “Mystic Grill”, nada surpreendente, já que aparentemente tudo nessas cidades pequenas possui o mesmo nome. Adentrei sorrateiro, com o intuito de não chamar atenção, e rapidamente tive a feliz oportunidade de deslumbrar um lindo rostinho, pertencente a uma das Garçonetes. Fui até ela seguindo meus instintos de predador, sendo educadamente contestado se queria alguma coisa. – Apenas um copo d’água, por enquanto. – Falei charmosamente usufruindo de um sotaque britânico, tentando chamar sua atenção.

Ela possuía fios de cabelo loiro e com certeza era jovem, comecei a fita-la com um sorriso nos lábios, esperando ser notado e ignorando completamente que aquele era seu estabelecimento de trabalho, outra das vantagens de ser Vampiro, poder flertar com garotas a qualquer hora ou lugar.

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O copo d’água veio rápido, e num único gole eu tomei-a, uma forma de retardar a minha verdadeira sede. Podia ouvir claramente os batimentos da garota, o sangue fluindo dentre suas veias, porém, por sorte a voz dela tirou minha concentração, evitando que as veias de meus olhos se mostrassem dilatadas. – Em partes, estou apenas de passagem, mas já a visitei outras vezes. – Disse com um sorrisinho irônico, recordando que a última vez que passei por Mystic Falls foi no mínimo há cem anos atrás.

Ela parecia retribuir ao flerte, um pouco sem jeito talvez, o que me fez ganhar ainda mais confiança, como se isso fosse possível. – E o que leva uma criatura tão graciosa a viver num lugar como este ? Imagino que os jovens da sua idade queiram fugir o mais depressa que podem daqui. – Indaguei-a enquanto analisava, imaginando qual seria sua resposta. Pelo fato de já ter sido humano um dia, mesmo que a muito tempo, necessitava de fazer contato com outros seres, ou senão iria enlouquecer.

Felizmente o bar permanecia silencioso, sem a presença de pessoas irritantes que pudessem atrapalhar aquele momento. Como ficava cada vez mais distraído, esqueci do habitual compromisso com a fome, passar mais algumas horas sem rasgar gargantas poderia me fazer bem.

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Claramente ela estava interessada, e por alguma razão, também me deixou interessado. – Está bem longe de casa. – Falei num tom de brincadeira retrucando a sua resposta. Notei que era seu horário de almoço, pois foi até a cozinha pegar sanduiche e cerveja, o que me fez mudar a minha percepção sobre sua idade, talvez fosse mais velha do que aparentava.

Fui surpreendido com uma pergunta curiosa, e novamente um sorriso tomou conta do meu rosto, já que seria mais apropriado se a mesma questionasse “quando” e não “onde”. – Bom, provavelmente de Boston. – Ironizei, continuando a encara-la. A cada segundo a senhorita a minha frente ia se tornando mais encantadora, talvez no final pudesse mudar os planos para ela, como forma de compensa-la por aquele reconfortante dialogo.

Chegava a ser meiga a maneira como ficava sem graça, e foi impossível resistir a provoca-la um pouco. – Realmente não é nem um pouco profissional de sua parte, mas eu te desculpo, Senhorita... – Esperei para que ela completasse a frase dizendo-me seu nome.

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Notei uma leve vermelhidão em suas bochechas, comprovando que realmente ficava sem jeito em determinados momentos. Seu nome não me pareceu familiar, provavelmente nunca esbarrei em seus antepassados, e com sorte, seriam leigos sobre as criaturas que atacam a noite. – Prazer em conhece-la, senhorita Boulevard. – Sorri, puxando uma de suas mãos até meus lábios e dando-lhe um beijo suave.

Preferia não dizer meu sobrenome para humanos, com o intuito de evitar associações a pessoas que já faleceram há muito tempo, e perceberem que eu não pertenço a este século. – Pode me chamar de... Heron. – Continuei a segurar sua mão sobre a bancada, realizando uma aproximação maior, enquanto meus olhos se mantinham fixos na direção dela.

Aquela era a hora perfeita para avançar o jogo, aproximei meu rosto o suficiente para que pudesse sentir a respiração de Layla, e por fim, sussurrei num tom quase inaudível. – Posso ser bem mais velho do que imagina, e quem sabe um tanto perigoso. – Queria ter o prazer de apreciar sua reação, ver se era inocente ou se possuía tanto conhecimento e receio quanto boa parte dos moradores da cidade. Com um sorriso de canto, permaneci em silêncio por alguns segundos, aguardando uma resposta digna.

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Não sabia se ficava intrigado ou surpreso, ou ambas as alternativas. De fato ela sabia de algo sobre as criaturas que rondavam a cidade, talvez pudesse ser um tipo de caçadora disfarçada, talvez uma simples curiosa que ouviu as lendas locais, enfim, teria que entrar mais a fundo no assunto para descobrir.

Busquei não demonstrar espanto, focando-me novamente nas suas expressões, não parecia com medo ou assustada, pelo contrário, estava confiante até demais. Viver por tanto tempo deixou-me paranoico, e pessoas que sabiam sobre a existência de Vampiros sempre eram vistas por mim como um tipo de ameaça, já que consequentemente saberiam exatamente a melhor maneira de pegar-me desprevenido e apunhalar uma estaca em meu coração.

Dei um sorriso malicioso, pigarreando um pouco antes de elaborar uma boa resposta. – Geralmente esses tais seres sobrenaturais são bem ardilosos, provavelmente seria bem mais fácil que um te encontrasse ao invés do contrário. – Ela foi se afastando devagar, parecia estar me provocando, o que não era a melhor ideia considerando o excelente temperamento que venho aprimorando. – Mas estamos falando de lendas locais, correto? Afinal, não é como se Vampiros existissem e vivessem bem embaixo do seu nariz. – Falei num tom irônico, esperando ser confrontado novamente.

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Felizmente ela aparentava não saber nada mais que boatos, não representava nenhum perigo  para mim, o que significava que poderia continuar a atormenta-la enquanto estivesse na cidade. “Quase dezoito”, difícil de acreditar já que a mesma parecia tão madura e sensata comparada aos outros adolescentes com que cruzei, por um momento pensei na possibilidade de tudo aquilo ser uma grande mentira para prender minha atenção, porém, resolvi deixar a paranoia de lado por alguns minutos, e evitar de levar aquela conversa a um fim extremamente desagradável.

Pensei sobre a questão dela, e realmente o meu retorno a Mystic Falls não fazia sentido algum, uma cidade onde quase todos se entopem de Verbena e que não possui grandes convenções ou qualquer coisa do gênero, era tão horrível quanto me lembrava. – Eu não faço ideia, nostalgia talvez. – Respondi de modo sincero, evitando detalhes. Levantei aproximando-me de Layla, colocando minhas mãos sobre sua cintura delicadamente, aproveitando a falta de movimentação do estabelecimento. – Sugiro que esqueça sobre essas lendas, pode acabar se machucando, o que seria um total desperdício. – Disse em forma de sussurro com os lábios quase encostados em seu ouvido.

Podia sentir a mistura entre o cheiro de seu sangue e o aroma doce que exalava de sua pele, possuía um novo hobbie agora, testar até onde ia a coragem da Senhorita Boulevard, que a cada segundo ia me deixando mais fascinado pelos seus encantos.

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Podia ouvir sua respiração mais intensa, e sentir o calor de sua pele, privilégio indescritível da minha vida pós a morte. – Sem dúvidas, tenho planos muito melhores para você. – Retribui no mesmo tom malicioso, atentando-me a maneira travessa com que mordia o lábio inferior. A muitas décadas que alguém não me deixava tão vidrado, Layla tinha algo especial, talvez sua personalidade forte, ou simplesmente uma coisa que me tirava da minha monotonia rotineira, de qualquer forma, fazia-me ser um tanto mais humano, e um tanto menos perturbado.

Levei meus lábios até o canto de sua boca, dando um beijo lento, mas logo me afastei, apesar de estar querendo aproveitar mais aquele seu sabor irresistível. – Essa não é a hora nem o local apropriado. – Continuei dando passos para trás, rumo a porta de saída. – Me encontre na Ponte Wickery, as onze da noite, e não se esqueça de ir sozinha. – Sem sequer esperar uma resposta, apenas tornei a sorrir, deslocando para fora do Mystic Grill e desaparecendo meio as pessoas que passavam.